sexta-feira, 13 de janeiro de 2023


 Dia 8


No conforto do sofá de um dia 8, parcela do povo brasileiro asssistiu, passiva e estarrecida,  cenas de um tipo de terror nunca antes experimentado.


O choque, o sentimento de impotência e violação que naquela tarde de domingo sentimos só não produziu mais estragos n'alma porque  irradiávamos, ainda,  grandiosa e potente luz que se acendeu na festa da democracia e inaugurou o primeiro dia do ano, com a posse do Presidente Lula. 


Ainda assim, aquele ato violento nos deixou fissuras e, quem sabe, veremos mais a frente,  tenha gerado algum tipo de trauma coletivo. 


Desde aquele momento, tenho vivido um estado Quintana: minha alma, sentada na calçada, chora. Me sinto Geni, apedrejada, violada... me sinto mulher estuprada no beco escuro ao voltar pra casa após um dia de trabalho ou uma noite de festa com as amigas, me sinto favela invadida, corpo que recebe bala perdida e mirada da polícia, me sinto preto levando baculejo, ultrajado e mal olhado ao entrar na loja, preso e assassinado porque preto, me sinto LGBTQIA+ espancada na esquina até a morte, me sinto criança na rua, esfomeada e abandonada,  me sinto Hiroshima, terra explodida, arrasada, me sinto Rio Doce, enlameada da ambição raivosa e tóxica, me sinto Floresta Amazônica, deflorada violenta e brutalmente. Me sinto ar, invadida pela nuvem sufocante e venenosa, me sinto solo, arrasada pela chuva ácida e agrotóxica, me sinto mar, engasgada e torturada pela água cinza e podre que engole a cada instante... me sinto bicho do cerrado fugindo do fogo criminoso do pop agro...


Mas, mesmo me aproximando do sentimento que penso sentir como o mais terrivel, ainda assim, sequer experimentei o verdadeiro terror que os povos originários experimentam no Brasil desde 1530: seja na barbaridade, intensidade, constância, tamanho,  grau de crueldade, brutalidade e malignidade.  


Dois corpos não ocupam o mesmo lugar. Portanto, sem chance de se colocar no lugar do outro. O que experimentamos pode se aproximar, mas nunca será comparado ao que vivem. 


Mas, uma imagem me ocorreu: 


Depois de um lindo dia de sol nos banhando nas águas limpas e refrescantes do rio, voltamos para a aldeia e nos deparamos, ainda na floresta, com o homem branco destruindo e incediando nossas malocas. Assistimos, escondidos por entre as árvores, com olhos umidecidos, espírito paralisado, e consciência tomada pelo ódio à barbárie que parece não ter fim! E, então, nos lembramos: que alívio nenhum de nós estar ali! 


Dia 8 foi o dia que nos aproximamos do ato mais repugnante, adoecedor, traumatizante, violador que já sentimos como nação. Mas nossos corpos nem os dos nossos, não estavam ali, não sofreram violência. Não foram mortos. 


Dia 8 é o dia que chegamos mais próximos de conhecer o verdadeiro horror que temos deixado acontecer diuturnamente com os povos originários do Brasil!


Mas também é o dia em que aprendemos sobre a maior e mais potente força e resiliência que brilha sobre nossa Pindorama. E essa potência ancestral faz minha alma forte e grandiosa levantar da calçada e, em comunhão,  lutar por todas as vidas, pela terra, pela água, pelo solo, pelo ar! 


Nossa frágil e adolescente democracia tem cometido muitos erros e tem sido punida de forma bárbara e abusiva.


Que 2023 seja o início de um tempo de reeducação democrática. De justiça. De proteção. De cidadania. De coletividade. De amorosidade! 


A luta continua.


Martha Paiva Scardua

Brasilia, 10/01/2023

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