domingo, 30 de abril de 2023

QUEM FOI AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE?

 

QUEM FOI AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE?

Essa edição do XXIV Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil comemora os 200 anos da chegada do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire ao Brasil. Mas quem é Saint-Hilaire e por que ele está sendo homenageado? Para responder as suas perguntas resolvemos fazer um post dedicado à passagem dele pelo país e suas contribuições para a botânica.

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A. de Saint-Hilaire

Auguste François Cesar Prouvençal de Saint-Hilaire nasceu em 1779 na cidade de Orléans na França. Chegou ao Brasil em 1816 acompanhando a missão extraordinária do Duque de Luxemburgo, com a aprovação do Museu de História Natural de Paris e o financiamento do Ministério do Interior para realizar seus estudos e mandar amostras da flora local para os museus da França.

Em sua passagem pelo Brasil fez observações sensíveis e minuciosas sobre a natureza nas antigas províncias da região sudeste, à época praticamente intocadas pela civilização. Também recolhia informações sobre o uso que os brasileiros faziam das plantas na medicina e alimentação, enriquecendo seus relatos com detalhes da cultura, geografia e antropologia dos lugares, assim, transportava o leitor para dentro de sua viagem.

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Pantes usuelles des brasiliens. Um dos primeiros livros de Saint-Hilaire

Tinha muito conhecimento do português, sendo capaz até de explicar a origem das palavras e diferenciar sotaques regionais. Se identificava com as pessoas em Minas Gerias e falava dos problemas do país de forma delicada, mostrando preocupação com a situação do Brasil. Se preocupava também com as queimadas nas florestas, que destruíam grande parte da mata virgem, apenas para abrir espaço para o cultivo de milho.

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Retrato das expedições dentro da mata atlântica no Brasil.

Andava sempre em lombo de cavalos e mulas por estradas empoeiradas abertas com facão por seus companheiros de viagem, frequentemente escravos. Como vivia na estrada, teve de aprender a dormir em redes, conviver com mosquitos, não ter medo de animais selvagens e sobreviver sem as comidas com as quais estava acostumado, muitas vezes passando por privações. Usava sua mala como mesa para fazer anotações e mesmo com todas as adversidades ele seguia viajando por ser completamente apaixonado pela riqueza natural da mata atlântica.

Auguste de Saint-Hilaire deixou o Brasil em 1822 após ser envenenado por mel de vespa, que compromete o sistema nervoso. Para se tratar, ele voltou para o sul da França e lá ele começou a escrever os livros e publicá-los. Faleceu em 1833 aos 74 anos, mas suas obras são citadas e estudadas até hoje no ensino de botânica da Sorbone.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Jabuti vai premiar autor estreante e investir na internacionalização da literatura brasileira

 Livros

Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

 

As estatuetas do Prêmio Jabuti
As estatuetas do Prêmio Jabuti CBL

O Jabuti, o mais prestigioso troféu das letras brasileiras, vai premiar autores estreantes a partir deste ano. A categoria “Escritor Estreante” será incluída no eixo Inovação, que também engloba os prêmios de Fomento à Leitura e Livro Brasileiro Publicado no Exterior. O anúncio foi feito na manhã desta quinta-feira (27) pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Só poderão ser inscritos na nova categoria escritores vivos que sejam os únicos autores de um romance. Obras escritas por duas ou mais pessoas serão vetadas. Autores de livros de poesia, contos e não ficção também não poderão concorrer. Os candidatos ao prêmio de Escritor Estreante estão proibidos de disputar as categorias de Romance Literário e Romance de Entretenimento. Contudo, poderão se inscrever nos prêmios de Capa, Ilustração e Projeto Gráfico, pertencentes ao eixo Produção Editorial (que também inclui o troféu de Tradução).

Curador do Jabuti, o editor Hubert Alquéres afirmou que a criação da categoria de Escritor Estreante tem o objetivo de permitir que os autores debutantes alcancem um público mais amplo, divulgar os nomes que fazem a nova literatura brasileira e incentivar mais pessoas a escrever.

Alquéres também disse que autores de não ficção, contos e poesia não serão contemplados na nova categoria porque isso exigiria a formação de um júri mais plural, composto por especialistas em diversos gêneros literários.

Passagem para Frankfurt

Também foram anunciadas mudanças na categoria Livro do Ano, a principal do Jabuti. O valor do prêmio foi reduzido de R$ 100 mil para R$ 70 mil. No entanto, o vencedor terá custeada sua viagem à Feira do Livro de Frankfurt, maior balcão de negócios da indústria do livro, para onde acorrem, todos os anos, editores do mundo inteiro em busca dos próximos best-sellers. O envio do autor a Frankfurt tem o objetivo de contribuir para a internacionalização da literatura brasileira. Os custos da viagem explicam a diminuição do valor do prêmio, segundo a curadoria. Os demais ganhadores levam uma estatueta e R$ 5 mil.

Concorrem a Livro do Ano todos os vencedores dos eixos Ficção (Conto; Crônica; Histórias em Quadrinhos; Infantil; Juvenil; Poesia; Romance de Entretenimento; Romance Literário) e Não Ficção (Artes; Biografia, Documentário e Reportagem; Ciências; Ciências Humanas; Ciências Sociais; Economia Criativa).

Recentemente, críticos apontaram que o processo de escolha do Livro do Ano é “quase aleatório”. O vencedor dessa categoria não é indicado por um júri, mas é a obra que teve a maior nota entre os ganhadores dos eixos Ficção e Não Ficção. Em cada categoria, os livros são avaliados por três jurados que atribuem notas, de 7 a 10, a três critérios estabelecidos previamente pela organização do prêmio. Os critérios têm todos o mesmo peso.

Nos últimos anos, levaram o Jabuti de Livro do Ano títulos de poesia, como “Também guardamos pedras aqui”, de Luiza Romão (2022), e “Solo para vialejo”, de Cida Pedrosa (2020), e o infantil “Sagatrissuinorana”, de João Luiz Guimarães e Nelson Cruz, enquanto romances celebrados como “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior, e “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, ficaram de fora.

As inscrições para o 65º Prêmio Jabuti começaram nesta quinta-feira (27), no site da CBL, e se estendem até 15 de junho. A data da cerimônia de premiação, tradicionalmente realizada em novembro, ainda não foi decidida. Também falta divulgar os nomes do conselho curador do prêmio e o Autor Homenageado desta edição. No ano passado, a homenageada foi a filósofa e feminista negra Sueli Carneiro.

domingo, 9 de abril de 2023

SEMPRE REBELDE Professora, sindicalista, gestora, diva do carimbó: as vidas de Dona Onete

 



Divulgação/AndreSeitti/ItauCultur
por JULIANA DOMINGOS


"Que carimbó é esse

De toque maneiro

Gostoso, brejeiro

De onde é que tu é

Das cabeceiras dos rios

Dos lados dos igarapés".

Faz dez anos que o carimbó chamegado de Dona Onete ganhou o Brasil e o mundo com o lançamento de "Feitiço caboclo", seu primeiro disco solo, em 2013.

Hoje, aos 83, a paraense prepara seu quarto álbum de estúdio e é homenageada por uma exposição no Itaú Cultural, em São Paulo, em cartaz de março a junho deste ano. Seu sucesso abriu caminhos para outras artistas do Norte, como Gaby Amarantos e Aíla, num ritmo até então masculino.

Mas a carreira de cantora e compositora a que Ionete da Silveira Gama se dedicou nas últimas décadas é só um dos capítulos de sua vida.

Ela formou gerações dando aulas de história por mais de 20 anos em Igarapé-Miri, no nordeste do Pará. Como militante sindicalista, participou de mobilizações pela melhoria no ensino e nas condições de trabalho dos professores e até pelo cultivo sustentável do açaí.

Também impulsionou grupos e festivais de cultura popular como assessora de cultura (cargo equivalente hoje ao de secretária) entre 1993 e 1995.


'Mulher era só para cozinhar'


Nascida em 1939 em Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó, Dona Onete foi para Belém aos quatro anos. Perdeu os pais cedo e foi criada pela avó, que era parteira, e a quem acompanhava em suas viagens pelo interior do Pará.


Na juventude, procurava ler muito. Em vez de gastar dinheiro com um vestido bonito, preferia comprar uma chita e usar o resto em revistas como O Cruzeiro e Grande Hotel, "para ser antenada".


"A minha avó brigava por isso, eu tinha uma mente totalmente diferente", 


Como muitas mulheres de sua geração, ela precisou enfrentar o marido para estudar e trabalhar: "Eu batalhei muito, briguei muito para estudar. Meu marido dizia que ia me largar e eu dizia, me larga, mas eu quero ter o meu emprego", conta.


Pensavam que a mulher era só para cozinhar, lavar, fazer o café do marido. Nunca pensaram que a gente tinha condição de dar cinco passos a mais na nossa vida. Mas eu era rebelde. Sempre fui. No tempo que a roupa era aqui [no tornozelo], eu já suspendia mais um palmo."

Dona Onete, cantora e compositora



Depois de se formar no magistério, Ionete se tornou professora de história na escola Aristóteles Emiliano de Castro, em Igarapé-Miri (PA). Nunca deixou de estudar: nas férias, fazia cursos para se "reciclar". Deu aulas até a aposentadoria, aos 62.

"Quando eu tinha 250 horas [de aulas] de história, eu disse: agora posso deixar meu marido. Comecei a dizer que não queria mais. Aí foi mais briga. Eu não podia me pintar, não podia usar uma roupa, era uma coisa. Fiquei Amélia mesmo. Eu sabia que aquilo era para ninguém me ver", diz.

Quando se aposentou e passou a se dedicar integralmente à música, também teve que enfrentar o machismo. Naquele tempo, já nos anos 2000, só homens podiam ser mestres de carimbó. Ela mudou essa situação.

"Mulher era talvez para fazer café, para dançar. Nem maraca entregavam para mulher tocar. Mas agora não, mulher é dona de grupo de carimbó, toca saxofone, toca tudo que os homens tocavam", diz. "Eles não davam oportunidade, mas aí eu vim e quebrei isso. Eu já estava aposentada no estado, já era dona dos meus caminhos. Consegui desbloquear esse grande entrave da nossa música".


Durante a ditadura militar, Dona Onete lembra que a direção da escola monitorava se o que os professores ensinavam era "subversivo".

"A gente não podia falar nada na sala, era reprimido. Mas eu sutilmente colocava algumas sementinhas que grelaram depois na cabeça deles", recorda.

Além do ensino fundamental, ela dava aulas em um curso supletivo. Por achar o ensino fraco, decidiu alterar por conta própria o programa, trabalhando com os adultos o conteúdo que ensinava aos adolescentes. Para completar, era estudiosa de Paulo Freire e usava seus ensinamentos nas aulas.

Outras professoras passaram a seguir seu exemplo, o que chamou atenção dos superiores. Ela precisou se explicar numa reunião.

"Eu estava tratando do meu povo, dos meus alunos que queriam ser alguém, passar num concurso, fazer segundo grau. O que adianta ter um diploma e não saber nada?", questiona.

Divulgação/AndreSeitti/ItauCulturalDivulgação/AndreSeitti/ItauCultural

Trajetória no sindicato

Nos anos 1980, a professora Ionete Gama se sindicalizou. "Foi bom, eu deixei o marido e entrei no

movimento. Esse cavalo passou e eu montei", lembra.

Ela integrou as mobilizações dos professores da região do Baixo-Tocantins, (PA) por melhores 

condições de trabalho, das quais também participou o atual prefeito de Belém, 

Edmilson Rodrigues (PSOL).

Eles fizeram paralisações, atos e greves pelo pagamento de salários atrasados e 

formação continuada. Chegaram a trancar o prefeito em uma escola para que 

assinasse um termo comprometendo-se com mudanças na lei em Igarapé-Miri.

"Graças a Deus a gente alcançou nossos objetivos. Hoje tem universidade em 

várias cidades do Pará, a federal, a UEPA e outras. Eu me sinto feliz de ter feito 

parte dessa luta", afirma.

Dona Onete foi uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e das 

Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp), integrou o 

Partido dos Trabalhadores (PT) e esteve na inauguração da Central Única 

dos Trabalhadores (CUT) em São Bernardo do Campo (SP), em 1983.


Com menos de 100 mil habitantes, a Igarapé-Miri de Dona Onete também 

deu ao Brasil músicos como Pinduca, conhecido como rei do carimbó, 

Aldo Sena, rei da guitarrada, e Tonny Brasil, pai do tecnobrega.


Ela já era uma figura de relevo na vida cultural da cidade anos antes 

de ter um disco gravado. Em 1989, fundou o Grupo Folclórico 

Canarana, que fazia apresentações de carimbó, benguê e lundu 

pelo estado do Pará, dançando suas composições autorais.




Depois, veio o convite para assumir a secretaria de cultura 

do município. No cargo, ela criou a Casa Ribeirinha para 

resgatar manifestações culturais das populações tradicionais 

e fortaleceu o lado artístico dos festivais do município 

relacionados com o extrativismo, como o Festival do camarão 

e do açaí, incluindo apresentações musicais, de grupos 

escolares e folclóricos.

Dona Onete - Divulgação/AndreSeitti/ItauCultural - Divulgação/AndreSeitti/ItauCultural

Imagem: Divulgação/AndreSeitti/ItauCultural

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Nessa época, a produção de açaí do município já tinha sido recuperada — Igarapé-Miri é considerada hoje a capital mundial do açaí —, mas a polpa que é a base da alimentação dos paraenses tinha quase desaparecido da mesa nos anos 1980 e 1990.

Essa situação foi causada pela chegada das indústrias de palmito à região do Baixo-Tocantins, que levou ao corte indiscriminado dos açaizeiros para a extração do alimento. Foi necessária a organização dos trabalhadores rurais para enfrentar a situação.

A gente do sindicato teve que sair novamente para a luta, se envolveu, falou com a Embrapa, conseguiu empréstimo no banco para a plantação do açaí e hoje em dia o Pará é exportador. A luta de Dona Onete não foi só numa coisa, foram muitas.Dona Onete, cantora e compositora

Divulgação/AndreSeitti/ItauCulturalJULIANA DOMINGOSDE ECOA, EM SÃO PAULO (SP)Durante a ditadura militar, Dona Onete lembra que a direção da escola monitorava se o que os professores ensinavam era "subversivo".

"A gente não podia falar nada na sala, era reprimido. Mas eu sutilmente colocava algumas sementinhas que grelaram depois na cabeça deles", recorda.

Além do ensino fundamental, ela dava aulas em um curso supletivo. Por achar o ensino fraco, decidiu alterar por conta própria o programa, trabalhando com os adultos o conteúdo que ensinava aos adolescentes. Para completar, era estudiosa de Paulo Freire e usava seus ensinamentos nas aulas.

Outras professoras passaram a seguir seu exemplo, o que chamou atenção dos superiores. Ela precisou se explicar numa reunião.

"Eu estava tratando do meu povo, dos meus alunos que queriam ser alguém, passar num concurso, fazer segundo grau. O que adianta ter um diploma e não saber nada?", questiona.

Acervo da família
Divulgação/AndreSeitti/ItauCultural