segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Agentes de leitura falam sobre a Mala do Livro

Arquivo Pessoal

 

A gerente da Mala do Livro, Maria José Lira Vieira, que trabalha com a iniciativa desde seu surgimento, homenageia a “Dasdores” citada por Aurélio, também premiada no edital da Secec: “Ela sempre buscou se aperfeiçoar, para oferecer melhorias para os leitores, fez até curso de dinamização, iniciação teatral e arte de contar histórias. Muito guerreira, carrega uma filha deficiente nas costas e trabalha com muito prazer”.

 

Aurélio entende que o prêmio representa o reconhecimento pelo trabalho voluntário e constitui numa motivação para que as pessoas continuem a realizar essas ações. “Apesar do formato de prêmio individual, os recursos acabam beneficiando a comunidade como um todo”, acredita.

 

TRANSFORMAÇÃO

Arquivo Pessoal

 

Marluce Franklin, de Sobradinho, afirma que “a premiação representou um reconhecimento pelo trabalho árduo de tantos anos, em favor do livro e leitura”, ações que considera “transformadoras”. Ela viu a metamorfose na própria vida. Agente desde 1994, está concluindo graduação em biblioteconomia.

 

“Nas bibliotecas domiciliares, a maioria em nossas residências, pudemos ver jovens, crianças, adolescentes e adultos mudando suas vidas, transformando realidades, alcançando crescimento pessoal por meio do conhecimento”, testemunha com entusiasmo.

 

Marluce, que está à frente da Associação dos Agentes de Leitura e contadores de estórias (Aaconte), com 98 agentes associados para buscar capacitação dos envolvidos, atua na Fercal Sobradinho ll e em regiões mais distantes, “como nos assentamentos, onde não existem bibliotecas nem qualquer estrutura pública da cultura”.

 

Ela diz que os agentes representados na Aaconte vinham reivindicando editais para qualificar o trabalho deles desde 2014. “A capacitação melhora nosso trabalho junto à comunidade. O secretário Bartolomeu Rodrigues é um divisor de águas em nossa história por nos atender, nos acolher, nos dar voz”, afirma.

 

A agente conta que decidiu participar da Mala do Livro por gostar de ler e também por querer fazer algo para se contrapor à violência na própria comunidade. Suas ações na divulgação do livro geraram interesse na comunidade, e a casa dela ficou pequena pra receber os leitores, pois a biblioteca domiciliar também passou a emprestar livros para os alunos do ensino médio que participam do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e precisam ler as obras indicadas para o acesso à Universidade de Brasília (UnB). Isso a levou a mobilizar a comunidade para a construção de uma biblioteca na região administrativa.

 

PÚBLICO JOVEM

Edson Cavalcante de Araújo, agente há 14 anos e também premiado, aposta no livro como fator de desenvolvimento: “acredito que, através da leitura e dos livros, pode haver transformação social e, consequentemente, uma sociedade mais justa”. “A premiação é uma forma de reconhecimento por parte da Secretaria de Cultura e tem um significado muito importante não só pra mim, mas para todos os agentes de leitura do programa”, opina.

 

Na casa dele, antes da pandemia, ele atendia a média de 20 a 30 crianças por mês. Com o avanço da vacinação, seu público começa a voltar. Cita o caso de Lara Neres,10 anos, que mal saiu do posto de saúde e deu o ar da graça. “Ela gosta de contos de fada, ação e lê até quatro livros por mês”, relata Edson.

 

DIGNIDADE

Arquivo Pessoal

 

A advogada Alana Barros Siqueira Duarte considera a premiação “o reconhecimento para uma classe que até então não era lembrada, apesar de sua grande importância para uma sociedade”. Agente desde 2012, ela conheceu o programa por meio de uma amiga, o que mostra a força do boca a boca na propagação da Mala, uma caixa de madeira que se converte em estantes para cerca de 200 livros.

 

“Eu decidi participar desse lindo trabalho, pois sempre achei essencial a continuidade do conhecimento através da leitura, e como agente de leitura podemos transformar vidas, trazer novas esperanças e crescimento intelectual e de caráter para uma sociedade que tem caminhado para o esquecimento dos livros”, justifica.

 

A biblioteca domiciliar funciona na casa da advogada, mas ela geralmente trabalha em conjunto com o marido no atendimento a moradores de rua três vezes na semana com alimentação, vestuário, com o banheiro sobre rodas e livros “para que eles venham a se sentir dignos”, enfatiza.

 

DIÁLOGOS

Arquivo Pessoal

 

O músico Douglas Gomes Bezerra, morador do Guará, é agente da mala há cinco anos. Também premiado, diz que decidiu participar porque já tinha uma pequena biblioteca em sua escola de musicalização, onde ensina guitarra, violão e outros instrumentos.  Em busca de livros, Douglas conta que ele recebe entre 10 a 20 pessoas por dia.

 

Ele não tem dúvida sobre a convergência entra a música e as letras e se arrisca a sugerir que a Mala do Livro busque ampliar os diálogos no campo das humanidades. “Devemos continuar fazendo uma ótima gestão desse legado, na luta para o livro chegar na mão de todos”, advoga.

 

AGENTES DE LEITURA

A Biblioteca Nacional de Brasília (BNB), que gerencia a Mala do Livro, neste momento estuda a encomenda de mais caixas para atender a uma demanda reprimida. Segundo Maria José, há quase uma centena de candidatos a acolher bibliotecas domiciliares.

 

“Temos esse cadastro de reserva com inscritos preparados para receber a Mala. Um agente, uma agente, recebe capacitação e precisa ter a predisposição de receber a minibiblioteca. Avaliamos o perfil da pessoa, o espaço de que dispõe, seu interesse por livros e a capacidade de prestar o devido atendimento ao público”, explica a gerente.

 

Para tornarem-se agentes, os interessados devem se inscrever na gerência do Programa em maladolivro@gmail.com

 

 Texto: Ascom Secec / Edição: Sâmea Andrade (Ascom Secec)

31/1/2022

11:05:34

Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Ascom/Secec)

E-mail: comunicacao@cultura.df.gov.br

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Livro conta história da música brasileira nos anos de chumbo Os jornalistas João Pimentel e Zé McGill lançam o livro Mordaça, que trata da censura contra a MPB e de como os compositores conseguiram driblar o regime


Irlam Rocha Lima
postado em 28/01/2022 06:00
Caetano Veloso: um dos alvos da censura -  (crédito: AFP)
Caetano Veloso: um dos alvos da censura - (crédito: AFP)

A década 1970 foi marcada pelo cerceamento e pelos dribles espetaculares que os compositores aplicaram nos aparelhos de vigilância e repressão. O fio da meada dos chamados anos de chumbo é retomado em Mordaça - Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários, livro dos jornalistas e escritores João Pimentel e Zé McGill, que acaba de ser lançado pela editora Sonora. Os autores pretendem fazer uma ponte entre o presente e o passado, na abordagem de fatos ligados à música, naquele período de obscurantismo, aos quais em Vai passar, clássico de sua obra, Chico Buarque de Holanda chamou de "Página infeliz de nossa história".

Aliás, Chico Buarque foi um dos alvos preferenciais da censura oficial, principalmente depois de driblar quem queria calar sua voz, ao lançar num compacto, em 1970, o samba Apesar de você, que passou a ser considerado um hino pelos militantes políticos de esquerda. Esse fato é contado logo no segundo capítulo do livro, que traz em 365 páginas, histórias protagonizadas por artistas consagrados, de diferentes segmentos da MPB — de Caetano Veloso a Paulinho da Viola, de Gilberto Gil a Geraldo Azevedo, de Carlos Lyra a Evandro Mesquita, de Ney Matogrosso e Philippe Seabra.

Mordaça reúne em 335 páginas casos emblemáticos sobre o embate entre a música e a censura, a arte e o autoritarismo no Brasil. Recheado de histórias marcantes, surpreendentes, dramáticas e até engraçadas, mas narradas com uma linguagem leve, demonstram como os artistas foram perseguidos, mas também o que fizeram para burlar esses absurdos. "A história nos mostra que o maior inimigo de um governo autoritário é o pensamento. Por isso, os artistas, os verdadeiros artistas, são tão perseguidos conforme vemos neste livro", observa Zé McGill. "Acredito, no entanto, como nos disse Gilberto Gil, que a seta do tempo aponta para a frente, apesar dos 'guardas de fronteira'", acrescenta.

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Para ilustrar a capa do livro, foi escolhida a imagem de um cartaz empunhado por um jovem, que usava mordaça, durante manifestação em 1968, contra a censura. "Quando vimos a foto, na hora identificamos o desenho como sendo do Ziraldo, por seu traço inconfundível. O Antônio Pinto, filho do mestre, confirmou a autoria e, juntamente com as irmãs Daniela Thomas e Fabrizia Alves Pinto, cederam a imagem para a capa", destaca João Pimentel.

Mordaça - Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários

Livro com 335 páginas de João Pimentel e Zé McGill.

Lançamento da Sonora Editora. Preço R$ 69,90

Entrevista / João Pimentel

Foi sua a ideia de escrever o Mordaça - Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários?

Fui procurado pelo meu editor, o Michel, o Michel Jamel, da Sonora, com a proposta de fazer um livro sobre os 50 anos do AI-5, em 2018. Como a editor, é voltada para música, o recorte já estava feito: a censura musical no período. Ele me sugeriu o Zé McGill para dividir a missão. Não o conhecia, fiquei apreensivo por termos estilos diferentes – ele escritor de ficção e eu cria da redação do jornal O Globo – mas o entrosamento foi imediato. Acho que por sabermos trabalhar bem em equipe. Penso que, de alguma forma, eu me embrenhei um pouco mais na cabeça ficcional e ele se concentrou para fazer o texto mais jornalístico possível. Vejo uma harmonia nos nossos escritos. O tempo era curto para realizar o livro na data pretendida, mas o obscurantismo do governo atual tornou o trabalho ainda mais necessário. Diria que o livro saiu na hora certa, neste cenário macabro da pandemia, mas com a sociedade se mobilizando para reverter esse quadro.

Houve divisão de tarefas?

Houve, sim, uma divisão natural dos capítulos. Alguns dos artistas eu tenho alguma intimidade como o Ivan Lins, a Joyce, a Beth, que me deu uma das suas últimas entrevistas, talvez a última, e o Macalé, esse meu amigo pessoal e que já foi personagem de um documentário de minha autoria. O Zé teve a grande sacação de seguir adiante com a turma do BRock, com o Bnegão, já que as entrevistas nos trouxeram, naturalmente, para os tempos atuais. O resto foi pintando. Alguns artistas são difíceis mesmo de entrevistar, como Chico, Caetano, Gil. Mas as coisas aconteceram no tempo certo.

Quanto tempo levaram para obter os depoimentos dos artistas?

As primeiras entrevistas foram feitas em 2018, a maioria em 2019 e, uma ou outra, em 2020 e 2021. Na pandemia, demos uma parada porque tudo parou. O mercado editorial ficou ruim, as livrarias fechadas. Por fim, terminamos o livro já com a possibilidade de um lançamento presencial aqui no Rio entre uma delta e um ômicron. Incomodava-me a ideia de lançar um livro sem a presença dos amigos. Hoje, por exemplo, não lançaríamos...

Essa foi a parte mais complicada?

Sempre é. A demora em conseguir entrevistas fundamentais gera ansiedade. Mas acho que 90% da lista inicial foi cumprida. Não conseguimos Rita Lee, Milton Nascimento, mas outras histórias boas foram surgindo.

Na sua avaliação, quais foram as histórias mais relevantes ou impactantes?

Acredito que todas as histórias têm relevância. Vejo isso por comentários de amigos. Alguns se encantam com o capítulo do Chico, outros com o do Geraldo Azevedo. Independentemente das histórias, da dramaticidade do ocorrido, gosto muito do último capítulo, o que escolhemos para fechar o livro, o do Gil. Primeiro por amar o artista, o ser humano divino, o orixá Gilberto Gil; depois pela visão otimista dele diante da realidade, a constatação de que o obscurantismo, o negacionismo, o reacionarismo e outros ismos do mal sempre existiram e existirão, mas não são suficientes para segurar os anseios, as lutas sociais, de gênero, de raça, enfim, a busca das liberdades individuais.

Do que ouviram, houve depoimentos que soaram inéditos?

Temos histórias inéditas como as do Genílson Barbosa, que surgiu na entrevista do Zé com o Rildo Hora, a do Ricardo Vilas, a da feitura da Canção da despedida, de Geraldo Azevedo, a história do Caetano com o censor que havia sido seu professor. Outras, eu não sei precisar. Eu nunca tinha ouvido a história de Sinal fechado, do Paulinho da Viola. Ele começou dizendo que não sabe se a história aconteceu ou se foi um sonho. As histórias da turma do rock também eu não conhecia, a não ser do Léo Jaime com a censora Solange e a da Blitz. Mesmo assim, são historias que pouca gente lembra ou conhece. Acho, também, que o distanciamento temporal dos acontecimentos traz novas lembranças, visões diferentes do ocorrido. E a ponte entre o passado e o presente é o que considero fundamental, atual e inédito.

Os censores comeram mosca em relação ao LP Sinal fechado, em que Chico Buarque lançou com o pseudônimo de Julinho da Adelaide?

Não diria que comeram mosca, nesse caso. Foi mesmo o Chico quem deu um drible bonito neles, criando o pseudônimo. Porém, pouco tempo depois, os censores descobriram que Julinho da Adelaide era o Chico, já que um jornalista publicou isso no Jornal do Brasil. No entanto, sim, a censura comeu várias moscas, como por exemplo no caso de Apesar de você.

 

  • Caetano Veloso: um dos alvos da censura
    Caetano Veloso: um dos alvos da censuraFoto: Leo Aversa/Divulgação
  • Gilberto Gil: as forças obscurantistas sempre são superadas
    Gilberto Gil: as forças obscurantistas sempre são superadasFoto: photo © @hallit/Divulgação

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TV Sagarana Contando Rosa no Caminho do Sertão

#109 – Ana Maria Machado: Não existe criança que não goste de livros "Aprendi mais com as crianças sendo dona de uma livraria para crianças do que escrevendo para crianças. Aprendi uma coisa importantíssima: não existe criança que não goste de livros, desde que ela possa escolher o livro que ela quer".

 - Papo com Ana Maria Machado, que acaba de lançar "Vestígios" (Alfaguara) e "Rastros e Riscos" (Ática)

 Destaques do papo com Ana Maria Machado: 

Contista x romancista 

Nunca tinha pensado em fazer um livro de contos. Acho que não sou uma contista, sou uma romancista. Sempre me achei mais à vontade no romance, que é um tipo de criação que vou escrevendo sem pressa, ao longo de muito tempo... O conto é uma coisa mais concisa, mais direta, e acho que não estava muito à vontade nisso. 

Persistência da memória em "Vestígios" 

No começo achei que o que tinham em comum eram histórias sobre família, amizade, relação entre as pessoas. Depois fui vendo que não, que o que eles tinham em comum era a persistência da memória, para usar o título de um quadro do Salvador Dalí, mas não é exatamente a persistência da memória. É a consequência de alguma coisa que aconteceu antes. Às vezes são pegadas, são rastros, são vestígios do que aconteceu antes. 

Perseguição 

Com o tempo, entendi aquilo melhor, como prenúncio de algo que viria depois. Todos os mecanismos estavam ali como estavam em relação ao prêmio Jabuti com meu romance "Infâmia", que um jurado, depois de todo mundo ter votado, me deu zero para derrubar a média. Com o tempo, quando fui ver quem era, vi como tudo tinha a ver com o episódio de  "O Menino que Espiava Para Dentro". Era o segundo round de uma mesma coisa... Quero dar o desprezo mais absoluto para isso. 

Escrever para adultos ou crianças? 

Gosto dos dois. Escrevo porque gosto de escrever, de explorar a língua, a imaginação. São momentos diferentes, atitudes diferentes. É como perguntar: você gosta mais de conversar com o seu filho ou com a sua mãe?... São registros de linguagem diferentes e, por isso, são desafios e atrativos diferentes, mas não tenho preferência por um ou por outro. 

Livros e crianças 

Aprendi mais com as crianças sendo dona de uma livraria para crianças do que escrevendo para crianças. Aprendi uma coisa importantíssima: não existe criança que não goste de livros, desde que ela possa escolher o livro que ela quer. 

O que é fundamental 

Tem autores que escreveram maravilhosamente bem para criança sem interagir com criança... Não acho que isso seja fundamental, não. É fundamental interagir com a língua. É fundamental conhecer português. É fundamental ler, saber como se estrutura uma narrativa. 

Sem ideia do que as crianças querem ou precisam 

Não tenho a menor ideia do que as crianças querem ou do que as crianças precisam. Escrevo porque tenho a ideia de uma situação imaginária interessante, de um desafio bom e um elemento de afeto. Gostaria que alguma criança em que estou pensando na hora de escrever possa crescer um pouco com aquilo, se divertir, se distrair. Mas não por uma necessidade teórica prévia. 

Sugestões para que crianças leiam mais? 

Não tenho sugestão nenhuma. Não sou educadora. Não sou pedagoga. Não dou palpite na educação de filho alheio, Deus me livre... Eu gosto de literatura, não sou torcedora do Criança Futebol Clube. 

O podcast do Página Cinco está disponível no Spotify, na Apple Podcasts, no Deezer, no SoundCloud e no Youtube. Você pode me acompanhar também por essas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram


domingo, 16 de janeiro de 2022

Teresa Montero lança biografia com materiais inéditos sobre Clarice Lispector. Teresa Montero lança biografia monumental, repleta de materiais inéditos, que traçam um novo retrato da escritora

(crédito: Editora Rocco/ Acervo da família )
(crédito: Editora Rocco/ Acervo da família )

Quando se aproximava do centenário de Clarice Lispector, a editora Rocco propôs a Teresa Montero, professora e pesquisadora universitária, reeditar a biografia Eu sou uma pergunta, publicada em 1999. Teresa trabalhava na equipe que preparava a edição de Todas as cartas. A função dela era fazer notas e a apresentação da correspondência de Clarice. Logo em seguida, estourou a pandemia. Animada pelo instinto implacável de pesquisadora, no intervalo de 31 anos entre a publicação da primeira biografia e o ano do centenário de Clarice, Teresa garimpou os arquivos públicos e fez inúmeras descobertas. Resolveu, então, incorporar Eu sou uma pergunta, mas escrever um novo e monumental livro, com 750 páginas: À procura da própria coisa - Uma biografia de Clarice Lispector. 

O livro elucida, desmistifica e amplia a visão sobre a família, a formação, o processo de criação e a obra da escritora. Revela uma entrevista de Clarice concedida ao jornalista Araken Távora,veiculada na TV Cultura; apresenta documentos dos órgãos de segurança do governo Dutra e do SNI sobre o ativismo social da escritora e registra um perfil em 3x 4: "A bondade é uma forma de inteligência", diz Clarice. Ou sobre o sucesso: "O sucesso é uma gafe, é uma falsa realidade. Simplesmente não tenho compromisso com o sucesso". E, nesta entrevista, Teresa Monteiro fala sobre as descobertas que delineiam um novo perfil de Clarice Lispector: "Quis mostrar que esse trabalho é uma rede, ninguém faz nada sozinho, para que o leitor tenha noção do que é o processo de busca do pesquisador".


Entrevista /

Teresa Montero

Que materiais novos? Por que a decisão de inserir no livro a pesquisa primária quase em estado bruto?Do início ao fim, nas quatro partes, sempre uso material inédito. De todos, considero a entrevista de Clarice a Araken Távora, o material mais precioso, porque é um registro audiovisual. Ninguém se perguntou: será que não tem outra entrevista da Clarice? Não é possível que só exista a da TV Cultura. É assim que as pesquisas avançam, quando você vai aonde ninguém foi. A entrevista foi inserida no documentário Clarice Lispector: A descoberta do mundo, da diretora pernambucana Taciana Oliveira (do qual sou corroteirista) que estreou no 16 Festival de Cinema Latino-Americano, em São Paulo, em dezembro. Encontrei fichas da polícia política no governo Dutra de 1950 e ditadura militar em 1973. Nos temas da vida-vida, como por exemplo, no cotidiano da família Lispector, pela primeira vez, mostro que, durante cinco anos, o pai dela viveu no Rio de Janeiro e conviveu com a comunidade judaica na Praça Onze. 

 Que descobertas mudam a visão sobre o processo de criação de Clarice? Descobri que Clarice publicou dois capítulos de A paixão segundo G.H. na revista Senhor. Os depoimentos de Clarice são de que o romance teria sido escrito de um jato só. Mostro que não é bem assim. Redesenho o processo de criação dela e abro para a questão literária, pois Clarice dialogou intensamente com outros artistas. Se criou uma visão de que a Clarice não sofreu influência de ninguém. Mas o diálogo dela com Maria Bonomi e Marli Oliveira mostram que a obra dela é fruto de um intenso diálogo com outros artistas. Ela precisava do outro sim. Escreveu A paixão segundo G.H. depois de ficar cinco anos sem produzir um livro.

Clarice foi considerada por muitos, durante largo tempo, uma mulher alienada das questões sociais brasileiras. A partir de suas pesquisas, é possível concluir que Clarice era uma mulher alienada?

Veja bem, há muito tempo, eu ficava indignada quando alguém levantava esse tipo de hipótese. A obra dela mostra o oposto; e a postura pública também desmente isso. Quem tinha alguma dúvida, saiba que ela foi fichada, durante o governo Dutra e durante a ditadura militar de 1964. Nunca ouvi um depoimento de amigos dizendo que ela foi perseguida. Essa marca de ser russa era aterrorizante nos governos Vargas e Dutra. Os intelectuais e artistas eram fichados. O curioso é como os órgãos de segurança falam dela. Havia um mapeamento de como ela se comportava na passeata dos 100 mil. Em suas colunas, ela ousava entrevistar figuras como Ferreira Gullar ou Antonio Callado, visadas pela ditadura militar. No filme da Taciana, Marina Bonomi dá um depoimento de que Clarice ajudava, submarinamente, segundo suas palavras, pessoas perseguidas pela ditadura. Como é possível chamar essa mulher de alienada?.

No que essas descobertas podem ajudar a esclarecer aspectos pouco elucidados da vida e da obra de Clarice?

O estudo biográfico lida com o aspecto histórico, a inserção no tempo, na época. Sempre ajuda a compreender mais aquela escritora no tempo em que ela viveu. Cada época é uma época, a recepção em 1940 é uma, hoje é outra. Ele pode trazer para o leitor os bastidores de como essa personalidade se constrói. Faço isso no capítulo intitulado Clarice diplomada mineira. Mostro como foi fundamental a amizade dela com Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende. Os mineiros invadiram o Rio de Janeiro. Drummond foi para o ministério da Educação de Gustavo Capanema. Sempre é preciso considerar a genialidade dela, mas, também, com quem ela se relacionou. Por que, algumas vezes, uma pessoa genial não acontece? Porque ela não caiu em um ambiente cultural que enseje o desabrochar dessa genialidade. Clarice teve um ambiente cultural favorável, laços de amizade, que a acolheram. As cartas dela falam muito sobre isso.

Na biografia que escreveu, Benjamim Moser sustenta a tese de que a mãe de Clarice teria sido alvo de violência sexual e que esse acontecimento teria afetado Clarice de uma maneira profunda. O que as suas pesquisas revelam sobre o episódio?

Agora, no capítulo da Arvore genealógica, esclareço isto. Moser levantou uma tese como certeza. Esse foi o equívoco dele. Os argumentos que ele usou não dariam para usar como certeza, mas como hipótese. O único documento que tinha era o depoimento da pesquisadora canadense, Claire Varin, autora de uma tese sobre Clarice defendida em 1986. Mas que ele colocou como nota de rodapé no livro sem identificar quem concedeu o depoimento a Varin. Por quê? E não inseriu no corpo do texto. Foi um erro metodológico. Na época, coloquei um ponto de interrogação sobre essa história. Mas, em 2011, a Folha de S. Paulo publicou um depoimento da pesquisadora, contando que quem relatou o fato sobre a mãe de Clarice foi Olga Borelli, grande amiga de Clarice. Ao tomar conhecimento disso recentemente, mudei a perspectiva, pois há o depoimento de uma pesquisadora.

Clarice se tornou uma personagem citada e que faz sucesso na internet.               É possível imaginar que ela ficaria feliz de viralizar?

Ela tinha muita resistência ao sucesso. Cito no perfil uma das definições dela: "O sucesso é uma gafe". Ela fugia disso porque isso é uma armadilha. Recebia cartas nas quais leitores diziam que ela mudava a vida deles. Ela gostava de carinho dos leitores. Mas a fama a assustava. A internet assumiu uma dimensão gigantesca. Acho que ela teria dificuldade de lidar com isso. Preferia permanecer anônima, não tinha nada a ver com celebridade. Clarice tem vários níveis de texto. A paixão segundo G.H., por exemplo, exige mais maturidade. Para ela, entender não era uma questão de compreensão racional, mas de sentimento. De tocar ou não tocar. O texto de Clarice te chama para várias leituras. Ganha com a releitura.

Qual o impacto da leitura dos textos que Clarice escreveu sobre Brasília em você e na percepção sobre a cidade?

Fui a Brasília umas três ou quatro vezes. Já conhecia os textos, reli por ter estado em Brasília. A percepção que ela coloca corresponde muito a como eu vejo da cidade. Para quem não vive em Brasília, tem uma série de mitos. Primeiro, o vínculo com a política. Outra é a construção da cidade, aquele momento rico do Brasil, como JK, Niemeyer, Lucio Costa, Burle Marx. Por causa da Clarice, li muito sobre Brasília, sou fascinada pela história da capital. Ela visitou a cidade no início, captou o espírito de Brasília. Voltou em 1974, o Brasil era diferente, dominado por um regime de exceção, ela aponta o clima da época nas entrelinhas. Adivinhou Brasília. A sensação de estar em Brasília é muito estranha, é a de estar em um lugar ainda inexplorado.

Severino Francisco

postado em 16/01/2022 06:01 / atualizado em 16/01/2022 09:58https://www.blogger.com/blog/post/edit/5346726493902935206/7223687666924788862


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

"Zumbi não morreu" aborda arte, cultura e religiões de matrizes africanas ***Grupo Obará, que atua há 10 anos no DF, convida população para conversar sobre as lutas negras em evento que acontecerá no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul, de 18 a 23 de janeiro

 

apresentação grupo obará -  (crédito: Grupo Cultural Obará/Divulgação)apresentação grupo obará - (crédito: Grupo Cultural Obará/Divulgação)

"Tudo aquilo que germina, floresce e cresce está atrelado ao Odu. Tudo que precisa ser positivado precisa passar pelo caminho do Odu Obará", ensina George Angelo, líder grupo cultural cujo nome foi inspirado em Odu Obará, uma força que remete ao caminho da prosperidade, abundância e satisfação pessoal. A partir desses valores é que se formou e prosperou, em Brasília, o Grupo Cultural Obará.

Há mais de 10 anos o Obará atua no Distrito Federal montando oficinas de dança, apresentações de teatro e música. O projeto idealizado pelo mestre baiano George Angelo tem o propósito de manter pulsante a cultura afro-brasileira, por meio do intercâmbio de conhecimento proveniente de um repertório extremamente diverso e já consolidado no cenário brasileiro.

Em 2022, o Obará promove pela primeira vez o seminário 'Zumbi não morreu', que acontece no Espaço Cultural Renato Russo, de 18 a 23 de janeiro, pela manhã (das 9h às 12h) e à noite (das 16h às 22h). O evento busca celebrar a cultura e a arte negra através debates, oficinas, apresentações, intervenções, apresentação de livros e exposições culturais.

A importância dos aparelhos culturais e temas correlatos, como sustentabilidade, direito à cidade e empreendedorismo estão entre as pautas mais relevantes previstas para o debate. Estão confirmadas palestras de João Jorge, presidente do grupo Olodum; do professor Nelson Inocêncio, da Universidade de Brasília e de sacerdotes de religiões de matrizes africanas de diversos estados do Brasil, mestres da cultura tradicional, músicos, artistas, profissionais da saúde e parlamentares. O lançamento do livro "Fala Negão, o Discurso sobre Igualdade" de João Jorge; também faz parte da programação. 

Para George Angelo, esta é uma oportunidade de fazer ecoarem as vozes do povo negro, extrapolando datas específicas como o feriado da Consciência Negra, em 20 de novembro. Tais ocasiões, segundo ele, já não satisfazem a urgente necessidade de debate sobre a arte negra e as religiões de matrizes africanas, que permeiam a cultura brasileira

Ele explica que a escolha do nome  'Zumbi não morreu'  foi feita para reforçar o poder que os negros carregam consigo, já que este é o nome do principal líder do Quilombo dos Palmares, o maior do período colonial. "Zumbi está em mim, está aqui, em nós. Somos a maioria ativa no país. Sem nós, o país não funcionaria", diz George.

O professor Nelson Inocêncio, cuja presença no evento está confirmada, pontua que o seminário é uma oportunidade para conversar sobre as lutas, a resistência e a re-existência da população negra. "Hoje falamos sobre movimento sociais, mas temos que saber exatamente do que estamos falando, então penso que a oportunidade do seminário com esse chamamento, dizer que o Zumbi não morreu, é dizer que as nossas lutas históricas ainda estão ai", pontua.

O Obará está presente em 14 escolas públicas do Distrito Federal, na Universidade de Brasília (UnB) e no Centro de Dança da W3 Norte. São cerca de 19 professores formados nas oficinas oferecidas pelo projeto.

O link do formulário para as inscrições no evento pode ser encontrado no perfil do instagram @projetobara. O seminário também pode ser acompanhado pelo YouTube.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Triângulo amoroso em meio a guerra de Canudos para atrair público jovem 'Amor e guerra em Canudos' é o romance de Lourenço Cazarré que chega às prateleiras pela editora Yellowfante


Lourenço Cazarré: trama de amor na guerra -  (crédito: Juliano Cazarré)Lourenço Cazarré: trama de amor na guerra - (crédito: Juliano Cazarré)

Lourenço Cazarré sempre foi fascinado pela história de Canudos e, sobretudo, pela maneira como Euclides da Cunha construiu a narrativa histórica em Os sertões. Nos anos 1970, decidiu que escreveria uma ficção baseada no episódio, mas foi atropelado pelo romance A guerra do fim do mundo, a versão de Mario Vargas Llosa, publicada em 1981 para a história de Antonio Conselheiro e seu império. Cazarré desistiu, até se deparar com outro romance, Veredicto em Canudos, de Sándor Márai."Quando li, fiquei impressionado", conta. Ele retomou então a ideia e escreveu Amor e guerra em Canudos, que chega às prateleiras pela editora Yellowfante.

No romance infantojuvenil de Cazarré, Guilhermina é uma adolescente que, com a mãe, monta uma escola para meninas em Canudos. Antônio Conselheiro não gosta muito, mas as duas seguem com o plano. É nesse contexto que a moça encontra dois rapazes, um tenente e um poeta, que se encantam com ela. "Como escrevo para jovens, percebi que precisava fazer um livro interessante para meninas e meninos. Quando inventei a menina, já imaginei um triângulo amoroso entre ela e dois rapazes. E, obviamente, imaginei que os dois iam se envolver na guerra de Canudos, no combate", conta o autor.

Cazarré trabalhou no texto durante os últimos dois anos. Pesquisou, leu muitos livros e manteve algumas referências como a cronológica. "A cronologia das histórias segue a cronologia da guerra, rigorosamente", avisa. Amor e guerra em Canudos ficou com 55 mil palavras, cerca de 25 mil a mais do máximo que Cazarré se permite para romances destinados ao público jovem. "Mas não tinha jeito, era a história que eu tinha que contar", diz.

O livro foi adotado pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e deve começar a fazer parte da lista de leitura de milhares de jovens brasileiros. "Minha ideia é que esse livro dá uma série de tevê, uma mininovela. É uma literatura para jovens em cima de uma história real que gerou o maior livro da literatura brasileira, que é Os sertões. Euclides é um animal, um monstro. É minha velha paixão pelos sertões que me levou a escrever esse livro. Foi um desafio a história, uma loucura, uma trabalheira de dois anos", garante Lourenço Cazarré.


Amor e guerra em Canudos

De Lourenço Cazarré. Yellowfante,
224 páginas. R$ 46,25

Nahima Maciel postado em 12/01/2022 06:00 https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/01/4976726-triangulo-amoroso-em-meio-a-guerra-de-canudos-para-atrair-publico-jovem.html