sábado, 15 de outubro de 2022

Sonho de jovens com engenharia e medicina acaba em informalidade e baixo salário

 Sonho de jovens com engenharia e medicina acaba em informalidade e baixo salário

Jovens enfrentam enorme barreira para entrar na faculdade e melhorar chances futuras

Fernando Canzian

SÃO PAULO

Em 2012, os irmãos Luan, Alan e Vanessa Silva, moradores de uma comunidade pobre em Jaboatão dos Guararapes (PE) sonhavam em ser engenheiros e médica.

Hoje, aos 23, 22 e 20 anos, respectivamente, os três trabalham em ocupações precárias e não têm mais a perspectiva de fazer faculdade —embora tenham concluído o ensino médio.

Luan ajuda o pai na criação de galinhas para abate e venda. Alan é ajudante de pedreiro; e Vanessa já trabalhou em loja de roupas e num depósito de distribuição de água.

"Não deu certo o plano da faculdade, e eles começaram a se virar para ter o seu dinheiro e ajudar na casa", diz Pedro Silva, 72, pai dos jovens, que mora com eles em um barraco com chão de terra, mais a mulher e outro filho de 10 anos.

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O casal Pedro e Micinéia com os filhos Alan, Luan e Vanessa na favela Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes, em 2008 - Fernando Canzian/Folhapress - 12.jun.2008
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Luan, Pedro, Isaac, Micinéia, Alan e Vanessa, em 2022, no Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes - Fernando Canzian/Folhapress - 09.jul.2022

Há 17 anos a Folha acompanha a evolução da família Silva, assim como de outra vizinha deles, os Dumont, no chamado Suvaco da Cobra, a 19 km do centro do Recife.

Entre os numerosos Dumont, com mais de 20 membros entre filhos e netos, ninguém conseguiu entrar na faculdade, e alguns sequer concluíram o ensino médio.

As duas famílias, que fizeram parte do Bolsa Família e hoje têm membros recebendo o Auxílio Brasil, mostram como é difícil para os jovens pobres do Brasil alcançar maiores níveis educacionais e de renda.

Mesmo entre os que fizeram o ensino médio, a capacidade de leitura, compreensão de textos e escrita é bastante limitada, conforme a reportagem constatou ao longo dos anos em testes de leitura e ditados.

Em termos materiais, essas famílias até que evoluíram ao longo desses 17 anos, melhorando as condições de suas casas e comprando eletrodomésticos. Mas seguem sem a perspectiva de obter renda maior no futuro e se livrarem da dependência de programas de transferência do Estado.

Na família dos Dumont, apenas um membro tem carteira de trabalho assinada. Entre os Silva, nenhum.

"O principal motivo que leva os jovens a deixar de estudar é a busca por renda", afirma Mariana Resegue, uma das coordenadoras do Atlas da Juventude, plataforma de monitoramento, pesquisa e avaliação de políticas públicas para a juventude no Brasil.

"É uma situação muito preocupante, pois a maioria deles acaba na informalidade, com baixos rendimentos e sem contribuírem para a Previdência, o que será um grande problema no futuro."

Mesmo em estados mais ricos como São Paulo, a ansiedade dos jovens com o mercado de trabalho é grande, sobretudo com a falta de perspectiva de remunerações mais elevadas.

Aluna da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo, Isabela Guimarães Andrade, 25, diz que seria impossível manter-se sem a ajuda de seus pais, pecuaristas em Rondônia.

O último emprego que conseguiu pagava R$ 2.500 ao mês, sendo que só a mensalidade de sua faculdade de jornalismo custa R$ 4.127. Ela divide um apartamento e as contas com a companheira, uma advogada que ganha cerca de R$ 4.000 mensais.

Isabela Guimarães Andrade, 25, estudante de jornalismo na Faap, que teme não conseguir se sustentar no futuro - Karime Xavier/Folhapress

Seus planos para o futuro são trabalhar e continuar estudando, até conseguir seguir uma carreira acadêmica. "Mas é muito catastrófica a perspectiva. Choro com frequência pensando em como poderei me sustentar sozinha no futuro. Não me vejo comprando uma casa nunca", diz.

Entre conhecidos, ela tem duas amigas com doutorado desempregadas e outras seis pessoas que saíram do Brasil. "A última coisa que gostaria de fazer é sair do país, mas é no que também tenho pensado", diz.

A 20 km da Faap, na periferia de Guarulhos, Yanne Matos, 17, estudante do ensino médio que mora na casa da avó, diz que nem sequer consegue imaginar como será sua vida daqui a dez anos.

Depois de já ter trabalhado como babá (por R$ 400 ao mês, das 7h às 18h em vários dias da semana) e numa fábrica de roupas (R$ 1.500), hoje ela atua como caixa de supermercado ganhando R$ 650 mensais por cinco horas diárias. Nos finais de semana, consegue uma renda extra fazendo sobrancelhas.

Yanne Matos, 17, no bairro Parque Uirapuru, em Guarulhos - Eduardo Knapp/Folhapress

Ela tem tido mais sorte que sua amiga Kimberly Gomes de Souza, 16, também no ensino médio e que afirma estar procurando qualquer tipo de trabalho ("menos telemarketing") desde o início do ano.
Souza vive com parte da renda do Auxílio Brasil recebido pela mãe, atualmente desempregada, e da avó, aposentada pelo INSS.

Kimberly Gomes de Souza, 16, na Favela da 25, em Guarulhos - Eduardo Knapp/Folhapress

Colega das duas jovens, Gustavo Henrique da Silva Amaral, 17, começou a trabalhar aos 14 anos, como auxiliar de mecânico, e hoje ganha algum dinheiro produzindo material de divulgação em mídias sociais para escolas, salões de beleza e clínicas.

Morador da chamada Favela da 25, em Guarulhos, assim como Kimberly Souza, Amaral e outros 620 jovens procuram melhorar suas chances realizando cursos no Instituto Sonhar Alto, apoiado pela ONG Gerando Falcões.

Gustavo Henrique Amaral, 17, na casa onde vive com os pais na Favela da 25, em Guarulhos - Eduardo Knnap/Folhapress

Segundo Odilon Araújo, coordenador da Sonhar Alto, eles fazem cursos de tecnologia, administração e logística, alguns em parceria com o Senac. "No primeiro semestre, após examinar a demanda de empresas, conseguimos treinar e empregar 30 jovens, e temos como meta mais 50 até o fim do ano", diz Araújo.

Segundo ele, a realidade local é que os jovens começam a trabalhar muito cedo, sem muita perspectiva de ingressar na faculdade —daí a necessidade de um treinamento mínimo para tentar a sorte no mercado de trabalho.

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Assista aqui vídeo sobre as famílias no Suvaco da Cobra que a Folha acompanha desde 2005.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Democracia é comida na mesa, criança na escola e pais trabalhando

 

  

Democracia é comida na mesa, criança na escola e pais trabalhando

Participação popular, soberania alimentar e segurança financeira das famílias será a base de um novo Brasil. “Queremos um país onde todos tenham igualdade de oportunidades”, diz Lula

Sérgio Amaral

Família reunida, com comida na mesa. Foto: Sergio Amaral/MDS

O Brasil da paz, do amor, do respeito, da solidariedade, das oportunidades para todos, da prosperidade e da liberdade. O que é sonho pode virar realidade quando sonhado e realizado junto. Brasileiros e brasileiras provaram isso ao longo dos 13 anos de governos do PT. Agora, Luiz Inácio Lula da Silva convida toda a população a voltar a sonhar junto e reconstruir o país, devastado após quatro anos de trevas bolsonaristas.

Os pilares dessa reconstrução já foram assentados. São as 121 diretrizes do ‘Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil’, do Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil. Entre 20 de junho e 20 de julho, a plataforma recebeu a maior participação popular da história da democracia brasileira, com mais de 13 mil propostas vindas de cidadãos, sindicatos, movimentos sociais, coletivos de diversas origens e outras entidades.

LEIA MAIS: Lula no Alemão: Com emprego, o povo vai voltar a comer três vezes ao dia

Todas as propostas foram sistematizadas e entregues à Comissão de Redação do Programa de Governo do Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil, da qual fazem parte representantes dos diversos partidos que apoiam a chapa Lula e Geraldo Alckmin. O grupo as entregará às equipes de transição e dos futuros ministérios, caso a chapa repita o resultado do primeiro turno das eleições e vença também no segundo.

Ao contrário de Jair Bolsonaro, que em setembro reclamou ser “trabalho gigantesco” tirar as pessoas da miséria criada por seu desgoverno, Lula, Alckmin e aliados já trabalham duro para recolocar o Brasil na rota da esperança. Começa por “colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”, como sempre diz Lula.

Por isso, o eventual Governo Lula começará implementando políticas públicas como o Desenrola Brasil, para renegociar as dívidas e limpar o nome de brasileiros endividados. Além de estimular a geração de emprego e renda, Lula vai retomar a política de valorização do salário mínimo com aumentos acima da inflação, extinta por Bolsonaro. Também vai lançar o programa Empreende Brasil, de crédito a juros dignos para micro, pequenos e médios empreendedores, os maiores empregadores do país.

Um Brasil com educação para todos e todas

“Queremos um país onde todos tenham igualdade de oportunidades, onde todos possam aprender uma profissão e com essa profissão essa pessoa ser independente”, disse Lula durante caminhada em Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, nesta terça-feira (11). “Se a gente não tem profissão, a gente vai ganhar o salário mínimo. E nesse governo genocida, nem o salário mínimo aumenta, faz quatro anos que não sobe, que não aumenta a merenda escolar.”

Lula também disse que o Brasil quer ser exportador de conhecimento, de inteligência, mas para isso tem que voltar a investir na Educação. “Não venha me dizer que investir em educação é gasto. Educação é investimento rentável, porque cada menino e menina que se forma, que tem um diploma e vai exercer uma profissão qualificada vai valorizar nossos produtos no exterior, ficaremos mais competitivos”, argumentou.

Na véspera, Lula esteve ao lado de Alckmin em encontro com jornalistas, economistas, empresários, cientistas políticos e lideranças políticas, falando dos riscos do bolsonarismo. “Essa não é uma eleição fácil, nós não estamos dentro de um processo democrático normal. Eu perdi duas eleições para o Fernando Henrique Cardoso e fui pra casa chorar”, lembrou o candidato ao terceiro mandato presidencial.

“Mas este cidadão é anormal, ele não teve nenhuma formação civilizatória e pensa no Brasil pra ele. Suprema Corte, Formas Armadas, Congresso, ele acha que tudo é dele”, prosseguiu Lula. “Mas a gente vai recuperar esse país, nós vamos fazer a sociedade exercer a democracia.”

A população como protagonista nas decisões

“Quem vai defender a democracia se não os democratas?”, perguntou Geraldo Alckmin no encontro com os intelectuais. E de democracia o Partido dos Trabalhadores entende. Desde os tempos da redemocratização do Brasil, nos anos 1980, o Orçamento Participativo sempre fez parte do modo petista de governar, consagrando-se de vez nas gestões de Lula e Dilma Rousseff.

Entre 2003 a 2014, os governos do PT e organizações sindicais e da sociedade civil promoveram juntos 103 conferências, abrangendo mais de 40 áreas setoriais nas esferas municipal, regional, estadual e nacional. Nove milhões de pessoas participaram de debates sobre políticas públicas, desde as etapas municipais, livres, regionais, estaduais até a etapa nacional. Marcos civilizatórios importantes, como a Lei Maria da Penha, surgiram nesses encontros e foram implementados pelos governos Lula e Dilma.

LEIA MAIS: Não existe soberania sem comida, emprego e respeito ao meio ambiente

Nesta quarta-feira (12), antes da caminhada pelo Complexo do Alemão (RJ), Lula esteve com lideranças comunitárias para reafirmar o compromisso com um governo popular, voltado para os interesses do povo e com a participação efetiva das comunidades – como foi antes do golpe. “Vocês podem ficar certos que vai ter uma conferência nacional dos povos das favelas pra gente decidir as políticas públicas para as favelas”, garantiu.

Após o encontro com as lideranças comunitárias, Lula disse à multidão presente que implantará escolas em regime de tempo integral para crianças e jovens. “É uma necessidade, não apenas para as crianças serem cuidadas na escola, mas para evitar que balas perdidas matem crianças brincando na rua, como acontece no país”, apontou.

Em junho, durante ato em defesa da soberania em Porto Alegre (RS), Lula lembrou que a soberania de um país vai além de cuidar das fronteiras e das riquezas naturais. “Um país pode ter toda a riqueza do mundo, mas se o povo não tiver direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar, esse país não é soberano”, afirmou o ex-presidente.

“Um país pode ter toda a riqueza do mundo, mas se o povo não tiver emprego e salário que dê para sustentar a família, onde está a soberania? Um país pode ter toda a riqueza do mundo, mas se o governante não cuida de forma responsável da política ambiental, para evitar o plantio de coisas desnecessárias em áreas que precisam ser preservadas, cadê a nossa soberania?”, prosseguiu. “A nossa soberania não pode ser um discurso, ela tem que ser uma prática”. É assim que Lula vai recolocar o pobre no orçamento.

Da Redação