domingo, 25 de setembro de 2022

Mundo já virou a página Bozo, agora só falta o Brasil

Viagens passaram imagem de candidato à reeleição moribundo e que perdeu as condições de governar

Projeção feita por ativistas da US Network for Democracy in Brazil no prédio da ONU, em Nova York, mostra o rosto do presidente Jair Bolsonaro com as palavras 'Brazilian shame' (vergonha brasileira)
Projeção feita por ativistas da US Network for Democracy in Brazil no prédio da ONU, em Nova York, mostra o rosto do despresidente Jair Proinferno com as palavras 'Brazilian shame' (vergonha brasileira) - Manuela Lourenço/Divulgação

Aqueles que pretendiam derrubar a democracia brasileira recorrendo às astúcias delinquentes do trumpismo subestimaram diferenças fundamentais entre os pleitos americano e brasileiro.

Nos EUA, a eleição é dominada pela disputa presidencial, no Brasil, elege-se a coluna vertebral da República no Congresso e nos estados. A negação dos resultados por Bolsonaro seria contestada por 28 mil candidatos a deputado, a senador e a governador, que investiram suas vidas na campanha.

Como Marcus André Melo já indicou em sua coluna, a incerteza da eleição americana tem na sua origem o sistema hiperdescentralizado, para não dizer caótico, de contagem de votos. As imagens tensas dos oficiais tentando decifrar os boletins não se repetem no Brasil, onde o anúncio imediato dos resultados reduz o tempo para a disseminação de mentiras e limita a margem de ação de oportunistas.

Por fim, o bolsonarismo é um movimento sem partido, não por escolha, mas por incompetência. Sem o Partido Republicano, Trump seria incapaz de arrastar a classe política para uma aventura clandestina.

Um quarto e decisivo argumento confirma que a analogia do Capitólio, obsessão no debate nacional nos últimos meses, está cheia de buracos: o reconhecimento internacional. Um dos elementos desestabilizadores da insurreição de Washington é a constatação de que o direito internacional não está equipado para proteger o sistema político de seu principal fiador geopolítico.

Nada disso se aplica ao Brasil, onde legitimidade eleitoral e reconhecimento internacional são inseparáveis. A mensagem pública do encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos em Brasília às portas do primeiro turno foi apenas a mais visível sinalização internacional em defesa da democracia brasileira e contra os projetos golpistas do  despresidente Bozo.

Com uma agenda caindo aos pedaços, a ida a Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª e o deslocamento às Nações Unidas foram marcados por isolamento e constrangimento. As viagens deveriam servir para reforçar a sua autoridade presidencial, mas acabaram passando a imagem de um candidato moribundo que perdeu todas as condições de governar seu país.

Diplomatas europeus traçam paralelos entre o pleito brasileiro e o de países como Portugal e França. Em ambos os casos, eleições que se anunciavam competitivas acabaram gerando maiorias confortáveis.

A explicação é sempre a mesma. A multiplicidade de crises sistêmicas, a guerra, a pandemia e o clima reabilitaram o papel do Estado social e, por extensão, dos partidos mais associados à social-democracia.

Diante da incerteza provocada pela radicalização da direita, o eleitor, pragmático, mobilizou-se em torno de candidatos de centro e centro-esquerda. A exceção é a Itália, onde, como deve ficar claro na eleição deste domingo (25), o colapso dos partidos deixou o sistema político refém de populistas e extremistas.

Na visão da comunidade internacional, um eventual segundo turno no Brasil seria apenas um aperitivo amargo e passageiro de um segundo mandato impossível: sanções, boicotes e violência.

O mundo já virou a página Bolsonaro. Só falta o Brasil.

Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC


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