7 DE SETEMBRO NO PLANALTO CENTRAL NO ANO DE 1922, CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
O evento solene no Morro do Centenário no DF, depois de uma viagem que começou em Araguari MG em 1 de Setembro de 1922 pela Estrada de Ferro Goyaz(Foto:Plínio, A Noite/Reprodução)
Pedra Fundamental de Brasília - (crédito: Arthur Menescal)

Brasília é como um grande rio. E como um rio caudaloso, a capital do Brasil nasceu e renasceu em cada afluente até desaguar em sua inauguração em 21 de abril de 1960. Brasília foi concebida nos sonhos geopolíticos do Marquês de Pombal, em 1755, que queria transferir a capital de Salvador, no litoral, para o interior do Brasil.
Nasceu nos ideais da Inconfidência Mineira, em 1789. Renasceu, em 1808, pelas mãos de Hipólito José da Costa no Armazém Literário — Correio Braziliense, em Londres, e logo depois, pelas mãos de José Bonifácio de Andrada e Silva, na primeira tentativa de Constituição do Império, em 1823. Nasceu na Constituição de 1891, primeira da República, que mandou reservar para a União, no Planalto Central, uma área de 14.400 km², que seria oportunamente demarcada para nela se estabelecer.
Renasceu com força telúrica e fervor cívico, em 1892, por ordem do presidente Floriano Peixoto, que determinou que uma comissão de cientistas (Missão Cruls) explorasse o Planalto Central e demarcasse a área para ser destinada ao futuro Distrito Federal.
Os renascimentos de Brasília não param de acontecer. Não com a pressa de que o projeto necessitava, mas com a firmeza de sempre dar um passo à frente. Brasília renasceu na Constituição de 1934, no artigo quarto das Disposições Transitórias, que deixou claro: “Será transferida a capital da União para um ponto central do Brasil”.
O mesmo sonho registrou a Constituição de 1946, quando Juscelino Kubitschek era também constituinte. A Carta Magna do pós-guerra, que espelhou a derrocada dos regimes totalitários na Europa, e o retorno, ainda que tênue, dos valores liberais no mundo, motivou a transferência da capital, apesar da resistência de parte da imprensa e de algumas lideranças políticas e empresariais. O artigo quarto das Disposições Transitórias voltou a sacramentar: “A capital da União será transferida para o Planalto Central do país”.
Mas antes mesmo das disposições constitucionais de 1934 e 1948, Brasília teve um renascimento histórico, solene e nacional determinante: em 7 de Setembro de 1922, Dia da Pátria. Foi para comemorar os 100 anos da Independência que o presidente Epitácio Pessôa mandou erguer um obelisco dentro do quadrilátero Cruls, justamente a Pedra Fundamental de Brasília. Uma História cheia de curiosidades e de muito civismo num tempo sem estradas e de comunicação precária.
Obelisco
Portanto, há 99 anos, duas histórias importantes, dois momentos distintos e duas celebrações de relevância nacional aconteceram em um só monumento construído a 35km do Palácio do Planalto, quando nem havia Brasília: nesse dia, foram comemorados os 100 Anos da Independência do Brasil e o lançamento da Pedra Fundamental de Brasília.
O Brasil era um imenso vazio no Centro-Oeste. Prova disso é que o decreto do presidente da República só chegou ao conhecimento do responsável, engenheiro Balduíno Ernesto de Almeida, diretor da Estrada de Ferro de Goyaz, em 27 de agosto de 1922. Ele ficava em Araguari-MG. Recebeu a comunicação do Inspetor Geral das Estradas de Ferro, Palhano de Jesus, transmitindo-lhe ordem do Ministro da Viação e Obras, José Pires do Rio, faltando apenas 10 dias para cumprir a missão.
A jornada de Balduíno começou em Araguari, em 1º de setembro de 1922. Foi organizada uma caravana composta por 22 membros, que se dirigiram para Mestre d’Armas em nove automóveis (Ford Bigode) e seis caminhões, que transportaram 40 pessoas e todo o material necessário para erguer o obelisco.
Seguiram pela ferrovia Mogiana, num trem especial, até o final da linha férrea localizada em Ipameri. No dia 02 de setembro, a caravana deixou Ipameri e seguiu por 302km com destino a Mestre d’Armas — Planaltina. Relatório da Missão: “Nas primeiras 7 horas, foram percorridos apenas 20km, com os caminhões estancando a cada momento, nas grandes rampas que tinham de vencer. No total, no primeiro dia de viagem, das 5h às 21h, foram vencidos apenas 76km. No segundo dia, três de setembro, a caravana avançou mais 84km até o cair do sol, quando chegou ao povoado de Cristalina”.
Balduíno, que vinha à retaguarda, decidiu, acossado pelo tempo, seguir à frente com os Ford Bigode, deixando os caminhões atrás da caravana.
Tarde da noite, chegou ao arraial de Mestre d’Armas, fixado como referência e base dos trabalhos. Os caminhões chegaram à manhã do dia 5, e, nessa mesma manhã, o engenheiro Balduíno escolheu um local bem mais próximo: um promontório sobre o vale do rio São Bartolomeu, a apenas 8km de Mestre d’Armas. Às 17h do dia 5, todo o material dos caminhões estava descarregado no morro do Centenário. No dia 7, às 10h, estava pronto o monumento”.
A importância do lançamento da Pedra Fundamental de Brasília em 7 de setembro de 1922 — Centenário da Independência — vai além do simbolismo de um ideal “mudancista”. Marcou, também, a reabertura da discussão sobre o sítio onde seria construída Brasília, cuja construção começou com JK, 34 anos depois.
Vale perguntar. E no ano que vem, como Brasília estará inserida nas comemorações dos 200 anos da Independência?
***SG
Silvestre Gorgulho
postado em 03/09/2021

A caravana do engº Balduíno Almeida, da Estrada de Ferro Goyaz, em Mestre d'Armas (Planaltina)

Pedra Fundamental de Brasília - 7 de Setembro de 1922
“Uma pedra por cima...”
As informações contidas nesse texto foram encontradas, até o momento,
apenas em Adirson Vasconcelos, cujas fontes não são indicadas
«Afinal esta história de capital no planalto tem uma pedra por cima...»
[Duque Estrada, em artigo citado por Americano do Brazil, cf. Adirson Vasconcelos]
O assentamento da pedra fundamental da futura capital, no Centenário da Independência, a 7 de setembro de 1922, bem poderia ter sido — como sugeriu Duque Estrada — o sepultamento definitivo da ideia, com a colocação de "uma pedra por cima".
O mero relato da expedição Balduíno, na época, deveria causar no Rio de Janeiro uma péssima impressão sobre o local escolhido para a futura capital — tantas seriam as dificuldades encontradas para a realização de uma tarefa aparentemente simples.
Pior do que o relato dessas dificuldades, só se chegasse ao Rio de Janeiro a notícia de um fracasso em desempenhá-la na data marcada.
Hoje, esse relato deixa uma impressão difícil de definir, entre a simples falta de planejamento e a hipótese mais complicada — mas possível, até provável — de um tropeço bem planejado e simples, articulado em algum ponto da "cadeia de comando" do governo.
Missão impossível
Assinado o decreto em janeiro de 1922, somente a 27 de agosto — faltando 10 dias para o Centenário — o diretor da Estrada de Ferro Goiás, com sede em Araguari (MG), foi informado, por telegrama, de que o ministro da Viação e Obras Públicas o havia encarregado de erguer um monumento no Retângulo Cruls, a 450 km dali, e inaugurá-lo de forma solene, exatamente ao meio-dia de 7 de setembro.
O telegrama do inspetor-geral de Estradas de Ferro, Palhano de Jesus, informava que uma placa de bronze acabava de ser encomendada, na véspera (!), ao Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, que após fazer o molde e fundi-la, deveria enviá-la a Araguari. Tudo o mais, da construção do monumento até a organização do evento, ficava por conta do engº Balduíno:
« Faltava-me tempo para pensar; para agir ainda pouco era o tempo... »
A solução prática e rápida foi projetar uma pirâmide-obelisco de pedras artificiais, e apenas montar o conjunto no local. Feitas as fôrmas e vasado o concreto, as “pedras” ficaram prontas em 31 de agosto.
A ferrovia, porém, chegava só até Ipameri (GO), 150 km além de Araguari, porém ainda a 300 km do Retângulo Cruls. Para transportar de Ipameri em diante as pedras (5 toneladas), cimento, ferramentas, pessoal, comitiva e alimentos para 15 dias, fretou 5 automóveis "Ford Bigode" e 6 caminhões. Esgotada a frota automobilística de Araguari, outros 4 automóveis tiveram de ser fretados em cidades vizinhas.
A placa encomendada em São Paulo chegou às 10h30 da manhã de 1º de setembro. Às 11h, partiu de Araguari o trem especial com toda a comitiva, as "pedras" de concreto, cimento, ferramentas, alimentos, e os 15 veículos fretados, chegando a Ipameri ao anoitecer.
A baldeação da carga dos vagões para automóveis e caminhões tomou toda a noite e parte da madrugada. Quase ninguém dormiu. Às 5h da manhã do dia seguinte, 2 de setembro, a caravana — reforçada por mais 2 "Ford Bigode" — iniciou a segunda parte da viagem.
Nas primeiras 7 horas foram percorridos apenas 20 km, com os caminhões estacando a cada momento, nas grandes rampas que tinham de vencer [Com sorte, talvez a estação das chuvas ainda não houvesse começado]. No total, no primeiro dia de viagem, das 5h às 21h, foram vencidos apenas 76 km.
No segundo dia, 3 de setembro, a caravana avançou mais 84 km até o cair do sol, quando chegou ao povoado de Cristalina. Segundo as informações locais, a partir dali a estrada não apresentaria grandes problemas. Balduíno, que vinha à retaguarda, decidiu, acossado pelo tempo, seguir à frente com os "Ford Bigode", deixando os caminhões seguirem atrás da caravana. Tarde da noite, chegou ao arraial de Mestre d'Armas [Planaltina], fixado como referência, e que seria a base dos trabalhos.
O dia 4 foi empregado — entre outras coisas — a escolher o local para o monumento. O engenheiro visitou o córrego Acampamento [acampamento da 2ª Missão Cruls; atualmente Parque Nacional de Brasília] e o Paranoá.
Esses dois locais delimitavam — a leste e noroeste — a área preferida por Cruls e Glaziou para a construção da futura capital [e onde, de fato, veio a ser construída]. Mas estavam a 40 km de sua base de trabalho, o arraial de Mestre d'Armas [Planaltina], onde àquela altura os caminhões ainda eram esperados. É possível que essa distância extra tenha pesado na sua decisão, diante da falta de tempo.
Os caminhões chegaram na manhã do dia 5, e nessa mesma manhã o engº Balduíno escolheu um local bem mais próximo: um promontório sobre o vale do rio São Bartolomeu, a apenas 8 km de Mestre d'Armas. Batizou o local de "serra da Independência"; e aos dois morros ali existentes atribuiu os nomes de "Centenário" e "7 de Setembro":
« Pois bem, no morro do Centenário decidi, bem ou mal, na manhã de 5 de setembro, colocar a pedra básica da futura capital da República. »
Às 17 horas do dia 5, todo o material dos caminhões já estava descarregado no morro do Centenário. No dia 7, às 10 horas, estava pronto o monumento que tinha de ser inaugurado exatamente ao meio-dia — segundo a letra da lei, inscrita em bronze na placa afixada à face oeste do marco:
« Sendo Presidente da República o Exmº Sr. Dr. Epitácio da Silva Pessoa, em cumprimento ao disposto no Decreto 4.494, de 18 de janeiro de 1922, foi aqui colocada em 7 de setembro de 1922, ao meio-dia, a Pedra Fundamental da futura Capital Federal dos Estados Unidos do Brasil. »
Bandinha e champanhe
A descrição do evento e a lista dos participantes dão a dimensão do outro lado do trabalho necessário ao engº Balduíno Almeida para cumprir à risca a missão recebida em cima da hora — a organização do “evento”:
« No momento em que o sol atravessava o meridiano, ao meio-dia de 7 de setembro de 1922, o engº Balduíno Ernesto de Almeida, responsável pela missão e representante do governo federal, começa a içar a Bandeira Nacional ao som do Hino Nacional executado pela bandinha de Planaltina, acompanhada de marcha batida pelos clarins do 6º Batalhão de Caçadores aquartelado em Ipameri, perante autoridades [locais] e representantes, e uma centena de outras pessoas da região que foram ao local, em cavalhada. » [Adirson Vasconcelos]
A palavra "representantes" define bem o status do local e do evento.
Balduíno, diretor da Estrada de Ferro Goiás, com sede em Araguari (MG), representava o presidente da República, Epitácio Pessoa, por ordem do ministro da Viação, transmitida por telegrama do inspetor-geral das Estradas de Ferro, Palhano de Jesus.
O segundo orador, Arthur Povoa, discursou em nome do presidente do Estado de Goiás, coronel Eugênio Jardim.
Em seguida, falou o deputado estadual Evangelino Meirelles, representante "3 em 1" do Congresso estadual (Camara e Senado de Goiás) e do deputado federal Americano do Brazil, autor do projeto de lei que determinava o lançamento da pedra fundamental. Este último fez a delegação por telegrama do Rio de Janeiro.
De corpo presente, discursou apenas o intendente municipal de Formosa, Francisco Hugo Lobo; e compareceram Salviano Monteiro Guimarães e Nicolau Silva, autoridades em Mestre d'Armas [Planaltina] e Santa Luzia [Luziânia]; além do juiz de direito Henrique Itiberê, de Formosa.
A Câmara dos Deputados se fez representar pelo engº Aldo de Azevedo [possivelmente da Estrada de Ferro Goiás].
O ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, foi representado pelo major Adelino de Guaycurus Piranema [possivelmente aquartelado em Ipameri (GO)].
O outro autor do projeto, deputado federal (pelo Maranhão) Rodrigues Machado, pediu por telegrama que o jornalista Germires Reis [Zelmires Reis, cf. AH2:27-28], de Santa Luzia [Luziânia], o representasse na solenidade.
A imprensa do Rio de Janeiro e de todos os demais Estados foi "representada" unicamente pelo jornalista Pedroso Pimentel, enviado especial de A Noite, do Rio de Janeiro. Devido às "dificuldades para a emissão de despachos telegráficos", só 4 dias mais tarde foi publicada sua primeira matéria.
As imagens foram feitas pelo « fotógrafo Plínio (que acompanhou o engº Balduíno) ».
A ata do evento solene foi ditada pelo engº Balduíno e escrita simultaneamente em 3 originais pelo major Adelino Guaycurus Piranema e pelos engenheiros Alvaro Cardoso de Mello e Edgard Peixoto Guimarães, auxiliares de Balduíno na Estrada de Ferro Goyaz.
Ao final, foi servida uma taça de champanhe.

O engenheiro Balduíno junto à pedra fundamental de Brasília, ao final da missão impossível
[cf. Adirson Vasconcelos]
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