Opinião
O livro é caro? As livrarias irão acabar? George Orwell responde
O escritor George Orwell Imagem: ullstein bild via Getty ImagesAlgum tipo de ficção seguiria existindo, talvez uma sensacionalista de baixo nível, feita numa "esteira transportadora que reduz a iniciativa humana ao mínimo". Afinal, "não estaria além da ingenuidade humana escrever livros por máquinas".
Nesse cenário, "a imaginação —mesmo a consciência, na medida do possível— seria eliminada do processo de escrita". E não, não estamos falando de inteligência artificial. A geringonça da vez estava bem longe de dar as caras.
George Orwell armava uma defesa da literatura em tempos totalitários —e aqui a coisa parece não andar muito diferente— quando compartilhou agonias e projeções desalentadoras. É uma abordagem óbvia olhar para o que o britânico escreveu há mais de sete, oito décadas e enxergar paralelos com o mundo atual. Paciência, clichês não existem por acaso.
A editora Lote 42 acaba de publicar "Na Livraria com Orwell", coleção de ensaios sobre livros, literatura e escrita organizada e traduzida por Gisele Eberspächer. São 8 textos (um de 1936, os demais de 1946) nos quais encontramos pontos de contato entre as questões daquele tempo com os perrengues que temos hoje no universo editorial e literário.
Diante das mudanças que ameaçavam pequenas livrarias, Orwell bradava um discurso que soa familiar: "É um comércio humanizado, que não pode passar de um certo limite de vulgaridade. Os conglomerados nunca vão conseguir espremer os vendedores pequenos e independentes como conseguiram com as lojas de comida ou com os leiteiros". É também uma amostra de como devemos ter parcimônia ao usar a palavra "nunca".
Sobre as motivações que levam alguém a escrever um livro, o autor de "1984" foi ácido. "Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos, e no fundo de suas motivações há um mistério. Escrever um livro é uma luta horrível e exaustiva, como um longo período de doença dolorosa. Ninguém empreenderia tal coisa se não fosse impelido por algum demônio a quem não se pode resistir nem compreender".
Apesar do mofo que existe aqui e ali nos ensaios de Orwell —preconceitos, ataques grosseiros...—, são textos que seguem pertinentes. Sobre escritores e artistas, reclamava da independência minada perante forças econômicas e doses cavalares da indigência intelectual que acometia muitos de seus pares.
Orwell não caía na bobagem de separar arte de política. Sabia que tentar fazê-lo já seria, em si, uma atitude política. Olhava para a própria produção e notava que viver entre guerras —a Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial— trazia sérias consequências para sua literatura. "Fui forçado a me tornar uma espécie de panfletário", escreveu ao refletir sobre como suas "lealdades políticas" interferiram em sua obra.
George Orwell foi bastante claro: "Cada linha de trabalho sério que escrevi desde 1936 foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e em prol do socialismo democrático". É uma frase para colar em cada interpretação bizarra que pulula a partir de leituras oportunistas de "1984" e "A Revolução dos Bichos"
por Rodrigo Casarin
07/07/2025 05h30
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