sábado, 21 de junho de 2025

Juiz que livrou golpista que destruiu relógio entra na mira do STF

 ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS

Juiz que livrou golpista que destruiu relógio entra na mira do STF

Moraes afirma que Lourenço Ribeiro proferiu decisão fora de sua competência, ao libertar da prisão o homem que destruiu relógio histórico no 8 de Janeiro, e determina que o magistrado mineiro seja investigado. TJ-MG também vai apurar o caso

O juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro -  (crédito:  Divulgação)
 O juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro - (crédito: Divulgação)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a volta à prisão do homem que quebrou um relógio histórico do Palácio do Planalto, durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Na mesma decisão, o magistrado ordenou uma investigação para apurar a conduta do juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, da Vara de Execuções Penais de Uberlândia (MG), responsável por conceder a liberdade ao extremista. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também abriu procedimento para apurar o caso. Horas depois da ordem de Moraes, a Polícia Federal prendeu o condenado.
Lourenço Ribeiro autorizou a progressão de regime, do fechado ao semiaberto, para o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira - condenado pelo STF a 17 anos de reclusão por destruir um relógio raro presenteado pela Corte Francesa a Dom João VI.

De acordo com Moraes, o magistrado não poderia ter tomado a decisão de liberar o golpista. "O juiz de direito Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro proferiu decisão fora do âmbito de sua competência, não havendo qualquer decisão desta Suprema Corte que tenha lhe atribuído a competência para qualquer medida a não ser a mera emissão do atestado de pena", enfatizou.

O ministro destacou, também, que Lourenço Ribeiro não seguiu requisitos previstos em lei para a concessão da progressão de regime. Também argumentou que o condenado cumpriu apenas 16% da pena. O ministro ressaltou que Antônio Ferreira foi sentenciado por crimes praticados com violência e grave ameaça, o que exige o cumprimento mínimo de 25% em regime fechado.

"Como se vê, além da soltura ter ocorrido em contrariedade à expressa previsão legal, foi efetivada a partir de decisão proferida por juiz incompetente em relação ao qual - repita-se - não foi delegada qualquer competência", escreveu Moraes. Nos bastidores, a postura de Lourenço Ribeiro é vista como uma provocação à Suprema Corte, com possível motivação política.

Ao conceder a progressão, o juiz de Minas Gerais argumentou que o bolsonarista teria direito porque "cumpriu a fração necessária de pena imposta no regime semiaberto, conforme se extrai do cálculo de liquidação de penas". Também alegou "boa conduta" do extremista.

O condenado deixou o Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, na terça-feira, cerca de um ano e meio depois de ter sido detido. Ele foi liberado sem as medidas cautelares necessárias. O Tribunal de Justiça do estado afirmou que não havia tornozeleira eletrônica e, por isso, o mecânico saiu da prisão sem o equipamento de monitoramento. No entanto, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) negou a falta de tornozeleiras e afirmou que cerca de 4 mil estão disponíveis.

Ao liberar o golpista, Lourenço Ribeiro ordenou que o mecânico não saísse de Uberlândia, comparecesse ao presídio sempre que solicitado e mantivesse atualizado no sistema penitenciário estadual os dados de contato.

Corregedoria

Também nesta sexta-feira, a Corregedoria-Geral do TJ-MG instaurou procedimento para apurar o caso, apesar de não citar diretamente Lourenço Ribeiro. "Na oportunidade, o TJ-MG reafirma o seu compromisso com a legalidade, os princípios do Estado Democrático de Direito e o irrestrito respeito às ordens judiciais emanadas dos tribunais superiores", completa o comunicado.

O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), Eduardo Araújo, destacou que os processos que envolvem o 8 de janeiro devem ficar sob responsabilidade da Suprema Corte. "É o regimento interno do STF que regula essa matéria. A execução penal nesses casos também é de competência do tribunal", disse.

Para o criminalista, não há abuso de autoridade na decisão de Moraes, e todas as condutas devem ser apuradas. "Não se está cravando a responsabilidade do magistrado ainda, mas é um caso que levanta suspeitas e que precisa, pelo menos, ser investigado, como foi determinado", completou Araújo.

O professor de processo penal João Pedro Mello partilhou do mesmo entendimento. "Se o ministro, em sua independência, viu indício de crime, está no âmbito de suas atribuições, de seus poderes-deveres, recomendar a investigação. Poderia, no entanto, ter-se fundamentado de forma mais analítica. Não está claro sequer qual é a hipótese criminosa em face do juiz, em qual tipo penal, em tese, sua conduta se enquadraria", ressaltou.

Mello frisou que o juízo natural para os procedimentos decorrentes dos casos do 8 de janeiro é o Supremo Tribunal Federal porque há a possibilidade de envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro. "Não é uma questão sem controvérsias. Historicamente, a atração por conexão da competência para julgar pessoas que não são autoridades públicas produz debates sempre que há casos de grande repercussão. Nesse caso, o STF decidiu por maioria por sua própria competência", explicou.

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