terça-feira, 21 de junho de 2011

Gersion de Castro, um de nossos mais dinâmicos agentes de leitura é destaque na crônica de Ana Miranda no Correio Braziliense


A
palavra Paranoá sempre me pareceu misteriosa, em suas origens indígenas ligadas à construção de uma barragem, que meu pai, engenheiro de terras, acompanhava com fascínio. Para mim, significava apenas água. Quando menina, eu andava pelo Paranoá aos domingos, quando íamos a uma churrascaria feita em tábuas,
à beira do recém-nascido lago. Era um barraco modesto, onde se servia boa comida, e o Juscelino vez em quando almoçava lá, motivo que mais atraía meu pai àquele recanto. Eu gostava da churrascaria, dali podia olhar a paisagem de cerrado emoldurando a água que me fazia reaver o mar de minha infância anterior.
A presença da água sempre me causou a sensação de amplitude e devaneio.
               Também fazíamos passeios à barragem ainda em construção, onde havia um rancho com mesas toscas e bancos, destinado a piqueniques. Levávamos uma cesta com farnel, tomávamos banho no lago e almoçávamos. Programa fascinante, mesmo pelos perigos, papai recomendava: Cuidado com as cobras. Não nadem para muito longe. Mas nadávamos para muito longe, e caminhávamos pelas margens, descalças, indiferentes às cobras, jacarés ou dragões. Era quase uma viagem, tão distante parecia de nossa casa, por trilhas que vencíamos no jipe, aos solavancos. Saíamos cedinho, aquela família típica da cidade, nordestina, empoeirada, moradora das primeiras “residências populares” quando tudo ainda estava em construção.
               Também me recordo de quando fui visitar uma amiga que morava numa das casas da vila Paranoá, e nesse dia jogamos um jogo literário, emque era preciso se formar palavras com as letras avulsas. Como sempre tive proximidade com as palavras eu me saí bem no jogo, e fui tão elogiada pela diversidade do que conseguia compor, que o momento ficou marcado na minha lembrança. Quem foi essa amiga? Era loura, e a sua casa, de madeira. Jogávamos numa sala ampla, sentadas no chão. Lembro das peças pequenas, das letras maiúsculas ou minúsculas, mas lembro mais do sentimento, aquele prazer de sentir habilidades mentais, para uma mosquinha tímida que nada esperava de si mesma, nos confrontos.
                A vila Paranoá era moradia de trabalhadores que construíam a barragem. Eles habitavam barracões compridos e paralelos, ou casas de madeira de obra, afastadas entre si por campos de poeira vermelha, por quintais com árvores de cerrado. Havia uma escola, também em tábuas, um campo de futebol, crianças brincando soltas como todas as crianças de Brasília, uma igrejinha, caminhões, tratores estacionados, lavadeiras com trouxas de roupa, alguém que tocava violão, e todas essas coisas que tornam humano um bairro, na pureza da sua espontaneidade.
                Chegou às minhas mãos um livro, claro, enviado pelo poeta, com pinturas desse idílico acampamento que hoje só existe em nossas recordações. O pintor é Gersion de Castro, nascido na vila do IAPI, em 1960, filho de carpinteiro vindo da Bahia, e que passou sua  infância na vila do Paranoá, à qual dedicou um amor primevo. Pinturas de cores inebriantes e paradisíacas, uns azuis fabulosos, luzes da manhã, do entardecer, da madrugada, tudo retratado com sentimento e fervor. As pinturas de Gersion nos levam ao cotidiano e à paisagem da gente que vivia ali, lugares de memória, e comprovam que havia mesmo algo de poético, algo de singular naquela aldeia, talvez relacionado a sua proximidade com a água.
amliteratura@hotmail.com
AnaMiranda
amliteratura@hotmail.com
















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